Fraudes no INSS: registros no sistema indicam que ex-chefe do órgão deu aval para manutenção de esquema, diz PF
29/04/2025
(Foto: Reprodução) Inquérito aponta que há indícios da prática dos crimes de corrupção passiva, inserção de dados falsos em sistema de informações e violação de sigilo funcional. Presidente foi demitido após operação. Ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
Divulgação/INSS
O inquérito da Polícia Federal (PF) aponta a participação direta do ex-presidente do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Alessandro Stefanutto, no esquema envolvendo fraudes em benefícios de aposentados e pensionistas.
Isso aparece em duas ocasiões no documento. "O único interesse em voga e observado pela direção do INSS foi o das entidades associativas", diz o relatório.
O primeiro caso aconteceu ainda em 2023, após a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) enviar seguidas vezes pedidos para desbloqueio de descontos represados pelo INSS.
Num primeiro momento, entre março e abril, o órgão respondeu a associação dizendo que não seria possível realizar tal manobra porque ela "foge do fluxo padrão do INSS", e contou com o aval da Procuradoria-Federal do Instituto.
"O caso merece debate, uma vez que se trata de transações que detém um histórico de fraudes, em especial no quesito 'autorização prévia, pessoal e específica' para realização do chamado desconto de mensalidade", justificou a procuradoria do INSS.
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E, de fato, o assunto culminou em debate no órgão. A Polícia Federal aponta que, em 16 de junho de 2023, o presidente do INSS e a diretoria que negou o desbloqueio tiveram uma reunião com a Contag.
Quase um mês depois, a associação enviou um novo ofício solicitando o desbloqueio de 24 mil autorizações de descontos. Em outubro, outro ofício cobrando os desbloqueios foi enviado, apontando que a quantidade havia aumentado para 32 mil bloqueios.
Em 25 de outubro de 2023, o mesmo órgão — que anteriormente negou o desconto —, mudou o entendimento e emitiu um ofício autorizando o desbloqueio dos milhares descontos represados.
"Os associados que autorizaram o desconto [...] restaram também prejudicados considerando-se que, legalmente a Administração não deve criar travas indevidas aos cidadãos na busca de seus direitos [neste caso, de ter o desconto realizado]", justificou André Paulo Felix Fidelis.
A Procuradoria Federal do INSS, na pessoa de Virgílio Antonio Ribeiro de Oliveira Filho — que anteriormente também tinha negado a liberação —, mudou o entendimento, acatou a proposição e remeteu o ofício para que uma minuta final fosse preparada.
Desbloqueio dos pedidos
Em seis de novembro de 2023, Stefanutto assinou o documento que concedeu o desbloqueio do desconto de milhares de associados da Contag.
"Ato contínuo, esta Presidência determinou à área técnica deste Instituto que cadastrasse demanda solicitando à DATAPREV que operacionalize o desbloqueio mencionado, conforme planilha fornecida pela Contag", justificou o ofício assinado pelo ex-presidente do INSS.
Todos os diretores citados pela reportagem foram investigados pela Polícia Federal, tiveram o sigilo quebrado e acabaram demitidos do INSS.
A PF cita que há indícios suficientes da prática dos crimes de corrupção passiva, inserção de dados falsos em sistema de informações e violação de sigilo funcional, no âmbito do INSS, vinculados aos descontos indevidos de contribuição associativa em benefícios de aposentados ou pensionistas.
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Regra transitória
Outro apontamento da Polícia Federal a respeito da interferência de Stefanutto para manter o esquema de desconto indevido aconteceu na criação de uma regra transitória para liberar o desbloqueio de 785.309 inclusões de 32 associações.
Um print do sistema do INSS para a liberação dos bloqueios, anexado no inquérito, aponta que a ação estava respaldada por uma decisão do ex-presidente do órgão.
O registro ainda precisou ser autorizado por outros gestores relacionados a área.
A regra foi criada para liberar os descontos enquanto uma portaria mais robusta, assinada pelo INSS, que exigia assinatura eletrônica "avançada" e cadastro biométrico, não começava a valer.
A Polícia Federal justifica que, apesar dos pedidos das entidades para liberar os descontos, o INSS não poderia ter dado "guarida à perpetuação dos descontos associativos ilícitos praticados".
"Em direta violação à previsão normativa e à realidade dos fatos, a direção do INSS atende ao pleito solicitado pelas entidades e concretiza medida alternativa, provisória, precária e transitória, sob a garantia do “compromisso” das entidades de que seus sistemas estariam em aderência aos requisitos técnicos e sem considerar o potencial e efetivo prejuízo aos beneficiários", afirmou o inquérito.
A Controladoria-Geral da União (CGU), por sua vez, também apontou em auditoria que a ação praticada pelo INSS não poderia ter acontecido.
"Apesar dos diversos riscos apontados pela CGU, em diferentes oportunidades, o INSS requisitou à DATAPREV o desenvolvimento de solução temporária, permitindo às entidades incluírem novos descontos a partir da competência 06/2027, para atendimento a demandas realizadas por entidades, sem que se identifique que tenham sido considerados os riscos de continuidade de descontos indevidos e dos prejuízos que poderiam advir aos beneficiários do INSS", afirmou uma investigação da CGU.